sábado, 28 de fevereiro de 2009

O Mérito da Monotonia...


A capacidade para suportar uma vida mais ou menos monótona deve ser adquirida desde a infância. A este respeito, os pais modernos são bastante censuráveis; proporcionam aos filhos demasiados prazeres passivos, tais como espectáculos e guloseimas, e não compreendem a importância que tem para uma criança um dia ser igual a outro dia, excepto, é claro, nalgumas raras ocasiões. Em geral, os prazeres da infância deveriam ser aqueles que a própria criança descobrisse no seu ambiente por meio de algum esforço e imaginação.

Os prazeres que excitam e ao mesmo tempo não implicam qualquer exercício físico, o teatro por exemplo, só lhes seriam facultados muito raramente. A excitação é da mesma natureza dos narcóticos que cada vez se tornam mais exigentes, e a passividade física durante a excitação é contrária ao instinto. Uma criança desenvolve-se melhor quando, tal como uma jovem planta, a deixam tranquila no mesmo solo. Demasiadas viagens, demasiadas variedades de impressões, não são boas para as crianças e tornam-nas mais tarde, quando forem crescidas, incapazes de suportar uma monotonia fecunda. Não quero dizer que a monotonia tenha algum mérito em si mesma; quero sómente afirmar que algumas coisas boas não são possíveis senão quando há um certo grau de monotonia.

Bertrand Russell, in "A Conquista da Felicidade"

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O Prazer e o Trabalho...

Em cada minuto somos esmagados pela ideia e a sensação do tempo. E apenas existem dois meios para escapar a tal pesadelo, para esquecê-lo: o prazer e o trabalho. O prazer gasta-nos. O trabalho fortifica-nos. Escolhamos.
Quanto mais nos servimos de um destes meios, mais o outro nos inspira repugnância.
Charles Baudelaire, in "Diário Íntimo"

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Os Prazeres Nunca Parecem ser Suficientes...

Parece-me que a natureza trabalhou para ingratos: somos felizes, mas os nossos discursos são tais que parecemos nem sequer suspeitar disso. No entanto, encontramos prazeres em toda a parte: estão ligados ao nosso ser, e os pesares não passam de acidentes. Os objectos parecem em toda a parte preparados para os nossos prazeres: quando o sono nos chama, as trevas nos aguardam; e, quando acordamos, a luz do dia nos arrebata. A natureza é enfeitada de mil cores; os nossos ouvidos são lisonjeados pelos sons; as iguarias têm gosto agradável; e, como se a felicidade da existência não fosse suficiente, é ainda necessário que a nossa máquina precise de ser incessantemente reparada para os nossos prazeres.
Baron de Montesquieu, in 'Os Meus Pensamentos'

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Os Animais e os Homens...

Desde Montaigne e ainda hoje, entretemo-nos de bom grado com um desígnio que nada tem de caridoso, a meu ver, em comparar os animais com o homem. Querem reduzir a quase nenhuma a distância que separa as suas faculdades; de facto, elas tocam-se, excepto num ponto, que está bem próximo de ser tudo: é que um faz por princípios o que os outros fazem por necessidade e natureza, ou seja, um pensa e os outros parecem pensar.
Jules Lagneau, in 'Discurso de Senso Comum'

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Ser Devasso é Pior que não ter Domínio de Si...

Uma vez que alguns prazeres são necessários e outros não são, e são necessários apenas até certo ponto, sem admitir excesso nem defeito, e uma vez que o mesmo se passa com os desejos e os sofrimentos necessários, - devasso é quem persegue o excesso no prazer ou prazeres excessivos, e, na verdade, quando os persegue por decisão própria em vista do excesso e não de qualquer outra consequência daí resultante. É forçoso que alguém deste género não tenha nenhuma disposição natural para se arrepender do que faz, de tal sorte que é incurável. Pois, na verdade, quem for capaz de se arrepender pode ser curado. Quem não sente falta nenhuma [destes prazeres] é o oposto do devasso. Mas quem se encontrava na disposição intermédia é temperado. De modo semelhante [devasso] é também quem foge aos sofrimentos do corpo [causados pela insatisfação do desejo], não por lhes sucumbir, mas por uma decisão tomada pelo próprio.
Há também os que não chegam a tomar nenhuma decisão. Estes são obrigados a perseguir o prazer, e a procurar escapar ao sofrimento causado pelo desejo insatisfeito. Há assim diferenças entre esses dois modos de ceder ao prazer ora por uma decisão tomada ou sem decisão prévia. Parece assim a toda a gente ser pior alguém que pratica uma certa acção vergonhosa não sentindo desejo ou sentindo-o levemente do que alguém que pratica uma acção vergonhosa tomado por um desejo violento. Assim também parece pior que alguém bata a outrem sem estar irado do que alguém que o faz num acesso de ira. Pois, o que não seria capaz de fazer quando estivesse sob o domínio do acesso de ira? Por este motivo ser devasso é pior do que não ter domínio de si.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Dicionário do Diabo...

Enganar: dizer ao povo soberano que não vamos roubar se formos eleitos.

Religião e Superstição...

É tão grande a fraqueza do género humano, tamanha a sua perversidade, que, sem dúvida, lhe vale mais estar subjugado por todas as superstições possíveis - desde que não tenham carácter assassino - do que viver sem religião. O homem sempre teve necessidade de um freio e, por ridículo que fosse sacrificar aos faunos, aos silvanos ou às náiades, era mais razoável e mais útil adorar essas imagens fantásticas da Divindade do que entregar-se ao ateísmo. Um ateu que fosse razoador, violento e poderoso, seria um flagelo tão funesto como um supersticioso sanguinário.
Quando os homens não dispõem de sãs noções acerca da Divindade, as ideias falsas suprem-lhes a falta, tal como nos tempos de desgraça se fazem negócios com moeda falsa quando falta a moeda boa. O pagão, se cometia um crime, temia ser punido pelos seus falsos deuses; o malabar teme ser punido pelo seu pagode. Em todo o lado onde há uma sociedade estabelecida, é necessária uma religião. As leis exercem vigilância sobre os crimes conhecidos, a religião exerce-a sobre os crimes secretos.
Mas, a partir do momento em que os homens chegam a abraçar uma religião pura e santa, a superstição torna-se não apenas inútil, mas muito perigosa. Não se deve tentar alimentar com bolotas aqueles que Deus se dignou alimentar com pão.
A superstição está para a religião como a astrologia está para a astronomia, a filha louca de uma mãe sábia. Essas duas filhas subjugaram durante muito tempo a Terra inteira.
Voltaire, in 'Tratado Sobre a Tolerância'

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Como a Aparência se Torna Ser...

O actor acaba por não deixar de pensar na impressão causada pela sua pessoa e no efeito cénico total, até por ocasião da mais profunda mágoa, por exemplo, mesmo no enterro do seu filho; chorará ante o seu próprio desgosto e respectivas exteriorizações como sendo o seu próprio espectador. O hipócrita, que desempenha sempre um mesmo papel, acaba por deixar de ser hipócrita; por exemplo, sacerdotes, que, enquanto homens novos, são habitualmente, de modo consciente ou inconsciente, hipócritas, por fim tornam-se naturais e são, então, realmente, sem qualquer simulação, mesmo sacerdotes; ou se o pai não consegue lá chegar, então, talvez, o filho, que se serve do avanço do pai e herda a sua habituação. Se uma pessoa quiser, durante muito tempo e persistentemente, parecer alguma coisa, consegue-o pois acaba por se lhe tornar difícil ser qualquer outra coisa. A profissão de quase toda a gente, até do artista, começa com hipocrisia, com uma imitação a partir do exterior, com um copiar de aquilo que é eficaz. Aquele, que traz sempre a máscara das expressões fisionómicas amistosas, tem de acabar por adquirir poder sobre as disposições anímicas benévolas, sem as quais não é possível forçar a expressão da afabilidade - e, finalmente, por seu turno adquirem estas poder sobre ele: ele é amistoso. Friedrich Nietzsche, in 'Humano, Demasiado Humano'

Dicionário do Diabo...

Fidelidade: virtude peculiar daqueles que vão ser atraiçoados.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Dicionário do Diabo...

Entusiasmo: uma doença de juventude que se cura com pequenas doses de arrependimento e umas aplicações exteriores de experiência.

O único meio de ser livre é estar disposto a morrer...

Diógenes disse nalgum lugar: «O único meio de ser livre é estar disposto a morrer»; e escreveu ao rei da Pérsia: «Não podes reduzir à escravidão a cidade de Atenas, não mais do que os peixes do mar». «Como? Não a tomarei?» «Se a tomares, os atenienses farão como os peixes, abandonar-te-ão e irão embora. E, de facto, o peixe que pegas morre; e, se morrem assim que pegas neles, de que te servem todos os teus preparativos?» Estas são as palavras de um homem livre que examinou a questão com cuidado e que provavelmente encontrou a resposta.
Epicteto, in 'Dissertações'

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Dicionário do Diabo...

Esquecimento: um dom concedido por Deus aos devedores, para compensar o facto de serem destituídos de consciência.

O Facto e o Direito...

O direito é a justiça e a verdade. O característico do direito é conservar-se perpetuamente puro e belo. O facto, ainda o mais necessário, segundo as aparências, ainda o melhor aceite pelos contemporâneos, se só existe como facto, contendo pouco ou nada de direito, é infalivelmente destinado a tornar-se, com o andar dos tempos, disforme, imundo, talvez até monstruoso. Se alguém quiser verificar de um só jacto a que ponto de fealdade pode chegar o facto, visto à distância dos séculos, olhe para Maquiavel. Maquiavel não é um mau génio, nem um demónio, nem um escritor cobarde e miserável; é o facto puro. E não é só o facto italiano, é o facto europeu, é o facto do século XVI. Parece hediondo, e é-o, em presença da ideia moral do século XIX. Esta luta do direito e do facto dura desde a origem das sociedades. Terminar o duelo, amalgamar a ideia pura com a realidade humana, fazer penetrar pacificamente o direito no facto e o facto no direito, eis o trabalho dos sábios.
Victor Hugo, in 'Os Miseráveis'

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Dicionário do Diabo...

Intimidade: uma relação entre dois tolos, providencialmente atraídos para a sua mútua destruição.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Dicionário do Diabo...

Hipócrita: indivíduo que, ao professar virtudes que não respeita, assegura as vantagens de parecer ser aquilo que despreza.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Dicionário do Diabo...

Ladrão: nome vulgar para um indivíduo com sucesso em obter a propriedade dos outros.

O Estado de Transe...

O estado de transe é um estado quase normal no ser humano; basta muito pouco para provocá-lo. Uma coisa de nada, um pouco de álcool no sangue, um pouco de droga, excesso de oxigénio, a cólera, o cansaço. Mas este estado é interessante na medida em que é orientável. Trata-se de um balanço, mas esse lança mão das regiões desconhecidas do nosso espírito. De facto, não há fundamentalmente nenhuma diferença, entre um homem intoxicado pelo álcool e um santo que se entregue ao êxtase. E no entanto há apesar de tudo uma diferença: a da interpretação. O momento de loucura é preparado por uma etapa onde o assunto é mergulhado numa espécie de vacilação da consciência, de excitação cerebral violenta. É esse momento que fabrica verdadeiramente o êxtase e lhe dá o sentido. Enquanto o êxtase em si mesmo é cego. É o vazio total, sem ascensão nem queda. A calma plana. Tanto quanto se possa dizer que o santo nunca conhecerá Deus. Aproxima-O, depois regressa. E estas duas etapas são as que são. Entre as duas, é o nada. O vazio, a amnésia completa. No momento X do êxtase, o santo e o intoxicado são semelhantes, estão no mesmo local. Habitam o mesmo paraíso vazio e terrífico.
J.-M. G. Le Clézio, in 'A Febre'

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Dicionário do Diabo...

História- um relato geralmente falso de acontecimentos geralmente fúteis, contados por governantes geralmente velhacos e soldados geralmente tolos.