quinta-feira, 30 de abril de 2009

Regras de Conduta para Viver sem Sobressaltos...

Vou indicar-te quais as regras de conduta a seguir para viveres sem sobressaltos. (...) Passa em revista quais as maneiras que podem incitar um homem a fazer o mal a outro homem: encontrarás a esperança, a inveja, o ódio, o medo, o desprezo. De todas elas a mais inofen­siva é o desprezo, tanto que muitas pessoas se têm sujeitado a ele como forma de passarem despercebidas. Quem despreza o outro calca-o aos pés, é evidente, mas passa adiante; ninguém se afadiga teimosamente a fazer mal a alguém que despreza. É como na guerra: ninguém liga ao soldado caído, combate-se, sim, quem se ergue a fazer frente. Quanto às esperanças dos desonestos, bastar-te-á, para evitá-las, nada possuíres que possa suscitar a pérfida cobiça dos outros, nada teres, em suma, que atraia as atenções, porquanto qualquer objecto, ainda que pouco valioso, suscita desejos se for pouco usual, se for uma raridade. Para escapares à inveja deverás não dar nas vistas, não gabares as tuas propriedades, saberes gozar discretamente aquilo que tens. Quanto ao ódio, ou derivará de alguma ofensa que tenhas feito (e, neste caso, bastar-te-á não lesares ninguém para o evitares), ou será puramente gratuito, e então será o senso comum quem te poderá proteger. Esta espécie de ódio tem sido perigosa para muita gente; e alguns despertaram o ódio dos outros mesmo sem razões de inimizade pessoal. Para te protegeres deste perigo recorrerás à mediania da tua condição e à brandura do teu carácter: faz com que os outros saibam que tu és um homem que não exerce represálias mesmo se ofendido; não hesites em fazer as pazes com toda a sinceridade. Ser temido, é uma situação tão ingrata em tua própria casa como no exterior (...) Para causar a tua ruína qualquer um dispõe de força que baste. E não te esqueças que quem inspira medo sente ele próprio medo: ninguém pode inspirar terror e sentir-se seguro!
Resta considerar o desprezo: mas cada um, se deliberadamente se sujeitar a ele, se goza de pouca consideração porque quer, e não porque o mereça, tem na sua mão a faculdade de regular a sua intensidade. Os inconvenientes do desprezo podem ser atenuados ou pela prática de boas acções ou pelas relações de amizade com pessoas que tenham influência sobre alguém especialmente influente; será útil cultivar tais amizades, sem no entanto nos deixarmos enredar por elas, não vá a protecção sair-nos mais cara do que o próprio risco. Não há, contudo, forma mais eficaz de protecção do que remetermo-nos à vida privada, evitando o mais possível falar com os outros, e falando o mais possível apenas com nós próprios. A conversação tem um poder de atracção subreptício e sedutor, e leva-nos a revelar os nossos segredos com a mesma facilidade que a embriaguez ou a paixão. Ninguém é capaz de calar tudo quanto ouviu, mas também não reproduz exactamente tudo quanto ouviu; e quem não é capaz de guardar para si a informação também não é capaz de manter secreto o nome do seu autor. Cada um de nós tem sempre alguém em quem deposita tanta confiança como em si próprio; no entanto, embora refreie a tagarelice natural e se contente em falar para um só ouvinte, o resultado é o mesmo que se falasse em público: em breve o que era segredo está transformado em boato!
Séneca, in 'Cartas a Lucílio'

quarta-feira, 29 de abril de 2009

A Principal Fonte da Nossa Ignorância...


Quanto mais aprendemos sobre o mundo, quanto mais profundo o nosso conhecimento, mais específico, consistente e articulado será o nosso conhecimento do que ignoramos - o conhecimento da nossa ignorância. Essa, com efeito, é a principal fonte da nossa ignorância: o facto de que o nosso conhecimento só pode ser finito, mas a nossa ignorância deve necessariamente ser infinita. (...) Vale a pena lembrar que, embora haja uma vasta diferença entre nós no que diz respeito aos fragmentos que conhecemos, somos todos iguais no infinito da nossa ignorância.

Karl Popper, in 'As Origens do Conhecimento e da Ignorância'

terça-feira, 28 de abril de 2009

Mente Estável e Mente Instável...


O homem capaz de sacrificar de ânimo leve um hábito mental há muito tempo formado constitui uma excepção. A grande maioria dos seres humanos não gosta e, na realidade, até detesta todas as noções com as quais não estão familiarizados. Trotter, no seu admirável Instincts of the Herd in Peace and War, chamou-lhes de «mente estável» e colocou em oposição a eles uma minoria de «pessoas de mente instável», apaixonados pela inovação em si própria. A tendência do homem de mente estável, quer seja introvertido ou extrovertido, visionário ou não visionário, será sempre para verificar que «aquilo que está, está certo». Menos sujeito aos hábitos de raciocínio formados na mocidade, os de mente instável naturalmente que sentem prazer em tudo o que é novo e revolucionário. É aos de mente instável que devemos o progresso em todas as suas formas, assim como todas as formas de revolução destrutiva. Os de mente estável, devido à sua relutância em aceitar modificações, dão à estrutura social a sua sólida durabilidade. Há no mundo muito mais gente de mente estável que instável (se as proporções fossem trocadas viveríamos num caos); mas em todos menos em alguns momentos muito excepcionais, eles possuem o poder e a riqueza mais do que proporcional ao seu número. Daí resulta que, ao aparecerem pela primeira vez, os inovadores foram geralmente perseguidos e sempre escarnecidos como lunáticos e loucos.
Um herético, de acordo com a admirável definição de Bossuet, é aquele que «emite uma opinião singular» - quer dizer, uma opinião sua, em oposição a uma que já foi consagrada pela aceitação geral. Que se trata de um patife, não é preciso dizer. É também um imbecil - um «cão» e um «demónio», no dizer de São paulo, que profere «baboseiras vãs e profanas». Nenhum herético ( e a ortodoxia de que ele se afasta não tem necessariamente de ser uma ortodoxia religiosa; pode ser filosófica, ética, artística, económica); nenhum autor de opiniões singulares é alguma vez razoável aos olhos da maioria dos de mente estabilizada. Porque o razoável é o familiar, é aquilo que os de mente estável estão no hábito de pensar no momento em que o herege profere a sua opinião singular. Usar a inteligência de qualquer outro modo que não seja o habitual não é usar a inteligência; é ser irracional, delirar como um louco.
Aldous Huxley, in "Sobre a Democracia e Outros Estudos"

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Frivolidade dos Nossos Anseios de Felicidade...

Quando reflectimos sobre a brevidade e a incerteza da vida, quão desprezíveis parecem todos os nossos anseios de felicidade? E, mesmo que estendêssemos a nossa atenção para além da nossa própria vida, quão frívolos parecem os nossos projectos mais vastos e generosos quando consideramos as mudanças e revoluções incessantes nos assuntos humanos, por meio das quais as leis e a cultura, os livros e os governos são postos de lado apressadamente pelo tempo, como por uma correnteza ligeira, e se perdem no imenso oceano da matéria? Tal reflexão seguramente tende a mortificar todas as nossas paixões. Não ajuda ela, porém, a desse modo contrabalançar o artifício da natureza que felizmente nos leva ao engano de acreditar que a vida humana tem alguma importância? E não poderia tal reflexão ser empregada com sucesso por pensadores voluptuosos, com o intuito de nos afastar dos caminhos da acção e da virtude rumo aos campos floridos da indolência e do prazer?
David Hume, in 'Ensaios: O Céptico'

sábado, 25 de abril de 2009

A Cultura não se Adquire, Respira-se

A cultura não se obtém com um labor obtuso e intensivo e é antes o produto da liberdade e da ociosidade exterior. Não se adquire, respira-se. O que trabalha para ela são os elementos ocultos. Uma secreta aplicação dos sentidos e do espírito, conciliável com um devaneio quase total em aparência, solicita diariamente as riquezas dessa cultura, podendo dizer-se que o eleito a adquire a dormir. Isto porque é necessário ser dúctil para se poder ser instruído. Ninguém pode adquirir o que não possui ao nascer, nem ambicionar o que lhe é estranho. Quem é feito de madeira ordinária nunca se afinará, porque quem se afina nunca foi grosseiro. Nesta matéria, é também muito difícil traçar uma linha de separação nítida entre o mérito pessoal e aquilo que se chama o favor das circunstâncias.
Thomas Mann, in "As Confissões de Félix Krull"

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Para Reflectir...

As doenças são as viagens dos pobres...

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A Inutilidade do Viajar...

Que utilidade pode ter, para quem quer que seja, o simples facto de viajar? Não é isso que modera os prazeres, que refreia os desejos, que reprime a ira, que quebra os excessos das paixões eróticas, que, em suma, arranca os males que povoam a alma. Não faculta o discernimento nem dissipa o erro, apenas detém a atenção momentaneamente pelo atractivo da novidade, como a uma criança que pasma perante algo que nunca viu! Além disso, o contínuo movimento de um lado para o outro acentua a instabilidade (já de si considerável!) do espírito, tornando-o ainda mais inconstante e incapaz de se fixar. Os viajantes abandonam ainda com mais vontade os lugares que tanto desejavam visitar; atravessam-nos voando como aves, vão-se ainda mais depressa do que vieram. Viajar dá-nos a conhecer novas gentes, mostra-nos formações montanhosas desconhecidas, planícies habitualmente não visitadas, ou vales irrigados por nascentes inesgotáveis; proporciona-nos a observação de algum rio de características invulgares, como o Nilo extravasando com as cheias de Verão, o Tigre, que desaparece à nossa vista e faz debaixo de terra parte do seu curso, retomando mais longe o seu abundante caudal, ou ainda o Meandro, tema favorito das lucubrações dos poetas, contorcendo-se em incontáveis sinuosidades, fazendo incessantemente ainda mais um circuito antes de enfim descansar no leito de que se aproxima. Mas viajar não torna ninguém melhor de carácter nem mais são de espírito. Teremos de nos aplicar ao estudo, de frequentar os mestres da filosofia, a fim de assimilarmos os princípios já estabelecidos e investigar o que ainda está por descobrir. Só assim a alma se pode arrancar à mais dura servidão e alcançar a verdadeira liberdade. Enquanto ignorares a distinção entre o evitável e o desejável, o necessário e o supérfluo, o justo e o injusto, o moral e o imoral — nunca serás um viajante, mas apenas um ser à deriva.As tuas deambulações não te trarão qualquer proveito, já que viajas na companhia das tuas paixões, seguido sempre pelos males que te dominam. E bom era que estes males apenas te seguissem! Bom era que eles estivessem longe de ti! O que se passa, porém, é que os levas em cima, e não atrás de ti. Deste modo, onde quer que estejas, eles oprimem-te, destroem-te com a mesma virulência. Um doente precisa que se lhe indique um remédio, não um panorama. Se um homem parte uma perna ou faz uma entorse não vai pôr-se a passear de carro ou de barco: manda, sim, é chamar um médico que lhe ligue o membro partido ou ponha no seu lugar o osso deslocado. Ora bem: acaso pensas tu que uma alma quebrada ou torcida em tantos lugares pode tratar-se com uma simples mudança de ambiente? Não, esta doença é demasiado grave para curar-se com um passeio! A formação de um médico ou de um orador não se faz em viagem; a aprendizagem de qualquer arte não depende da geografia. Como pensar que a sabedoria, a mais importante das artes, se pode adquirir saltando daqui para acolá?! Podes crer que nenhuma viagem te põe ao abrigo do desejo, da ira, do medo; se tal fosse o caso, todo o género humano começaria em massa a viajar. Estes males não cessarão de atormentar-te, de desgastar-te ao longo das tuas viagens, terrestres ou marítimas, enquanto tiveres em ti as suas causas. Admiras-te que de nada valha fugir quando tens dentro de ti aquilo de que foges?
Séneca, in 'Cartas a Lucílio'

quinta-feira, 16 de abril de 2009

A Sociedade é um Sistema de Egoísmos Maleáveis...


A sociedade é um sistema de egoísmos maleáveis, de concorrências intermitentes. Como homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e um ente social. Como indivíduo, distingue-se de todos os outros homens; e, porque se distingue, opõe-se-lhes. Como sociável, parece-se com todos os outros homens; e, porque se parece, agrega-se-lhes. A vida social do homem divide-se, pois, em duas partes: uma parte individual, em que é concorrente dos outros, e tem que estar na defensiva e na ofensiva perante eles; e uma parte social, em que é semelhante dos outros, e tem tão-somente que ser-lhes útil e agradável. Para estar na defensiva ou na ofensiva, tem ele que ver claramente o que os outros realmente são e o que realmente fazem, e não o que deveriam ser ou o que seria bom que fizessem. Para lhes ser útil ou agradável, tem que consultar simplesmente a sua mera natureza de homens.
A exacerbação, em qualquer homem, de um ou o outro destes elementos leva à ruína integral desse homem, e, portanto, à própria frustração do intuito do elemento predominante, que, como é parte do homem, cai com a queda dele. Um indivíduo que conduza a sua vida em linhas de uma moral altíssima e pura acabará por ser ultrajado por toda a gente - até pelos indivíduos que, sendo também morais, o são com menos altura e pureza. E o despeito, a amargura, a desilusão, que corroem a natureza moral, serão os resultados da sua experiência. Mas também um indivíduo, que conduza a sua vida em linhas de um embuste constante, acabará, ou na cadeia, onde há pouco que intrujar, ou por se tornar suspeito a todos e por isso já não poder intrujar ninguém.

Fernando Pessoa, in 'Os Preceitos Práticos em Geral e os de Henry Ford em Particular'

terça-feira, 14 de abril de 2009

A Nossa Morte... Repost

O que mais me intriga e dói na nossa morte, como vemos na dos outros, é que nada se perturba com ela na vida normal do mundo. Mesmo que sejas uma personagem histórica, tudo entra de novo na rotina como se nem tivesses existido. O que mais podem fazer-te é tomar nota do acontecimento e recomeçar. Quando morre um teu amigo ou conhecido, a vida continua natural como se quem existisse para morrer fosses só tu. Porque tudo converge para ti, em quem tudo existe, e assim te inquieta a certeza de que o universo morrerá contigo. Mas não morre. Repara no que acontece com a morte dos outros e ficas a saber que o universo se está nas tintas para que morras ou não. E isso é que é incompreensível - morrer tudo com a tua morte e tudo ficar perfeitamente na mesma. Tudo isto tem significado para o teu presente. Mas recua duzentos anos e verás que nada disto tem já significado.
Vergílio Ferreira, in 'Escrever'

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O Absoluto do Ser....

- Deus não é bom? - Não, para falar com propriedade, Deus não é bom: é. Bom, mau, são pobres palavras que se aplicam a um conjunto de regras respeitantes a alguns pormenores da nossa vida material. Porque é que Deus seria limitado pelas nossas pobres palavras e valores? Não, Deus não é bom. É mais do que isso. É a forma mais rica, mais completa, mais poderosa do ser, de qualquer maneira. Torna concreta a abstracção mesmo da forma do ser. E penso que o «envisagement» do ser não podia ser possível se Deus não lhe tivesse dado anteriormente o seu estado. Deus é a criação. É pois um princípio inextinguível, não orientado, a própria vida. Lembrem-se das palavras: «Eu sou Aquele que sou». Nenhuma outra palavra humana compreendeu e relatou melhor a forma divina. Intemporal, não, nem sequer intemporal e infinita. O princípio. O facto de que há qualquer coisa no lugar onde não havia nada. - Mas então, Deus não tem necessidade... - E até mesmo para lá de toda a expressão. Se quiser, eu sou Deus. Não há dúvida a sustentar, pergunta a fazer. Você existe. Portanto é Deus. Você não pode existir de outro modo. Se você não fosse Deus, não existiria. - Um panteísmo, de certa maneira? - Não, porque não se trata de louvar Deus em todas as coisas. Deus é exterior, e se eu lhe dizia que você é Deus, que eu sou Deus, não era para lhe dar a ideia que, segundo eu, Deus é uma espécie de corpo no interior do qual nós vivemos. Não, eu queria apenas insinuar uma espécie de analogia entre as duas palavras da frase, agir no ser determinando-o, por Deus. Sendo o Ser de certa maneira uma dimensão própria, tão relativa mas tão real como o tempo e o espaço. E Deus sendo o absoluto desta dimensão, como o infinito é o absoluto do espaço, e o eterno o absoluto do tempo. De facto, o absoluto do Ser é também o absoluto do espaço e o absoluto do tempo. Eis porque Deus é neste ponto inimaginável para os pobres espíritos dos homens.
J.-M. G. Le Clézio, in 'A Febre'

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A Solidão não Constitui Alimento, apenas Jejum...

Se não temos aptidão para fazer amigos, remodelemo-nos até consegui-la. A solidão só vale como remédio, como jejum - não constitui alimento; o carácter, como Goethe o viu com tanta clareza, só se forma no tumulto da vida. Se nos tornamos excessivamente introspectivos, estamos na senda da perdição, ainda que o nosso negócio seja a psicologia; olhar com persistência excessiva para dentro de nós mesmos é provocar o desastre do jogador de ténis que conscientemente mede a distância, os ângulos e a força dos golpes, ou como o pianista que pensa nos dedos. Os amigos são necessários, não só porque nos ouvem, como porque se riem para nós; através dos amigos conseguimos um pouco de objectividade, um pouco de modéstia, um pouco de cortesia; com eles também aprendemos as regras da vida, tornando-nos melhores jogadores dos jogos que a compõem. Se queres ser amado, sê modesto; se queres ser admirado, sê orgulhoso; se queres as duas coisas, usa externamente a modéstia e internamente o orgulho. Mas o próprio orgulho pode ser modesto, raramente se deixando ver, e nunca se deixando ouvir.
Não revelar muita agudeza: os epigramas tornam-se odiosos quando farpeiam fundo a carne; e adoptar como lema o De vivis nil nisi bonum. Nunca provar que um homem está errado; ele não o perdoará nunca. O «nada fazer» é uma das coisas mais preciosas do mundo; frequentemente vale muito o nada fazer, e é sempre uma boa coisa o nada dizer. Ninguém deve mostrar-se ansioso de proclamar a verdade. Aceitando as convenções que a sociedade estabelece, gozamos um pouco de liberdade dentro das suas leis; isso nos permitirá tudo, se o fizermos com elegância e não o andarmos a proclamar.

Will Durant, in 'Filosofia da Vida'

terça-feira, 7 de abril de 2009

Dicionário do Diabo...

Solteiro: um homem que tem a sorte de celebrar as festas de família fora de casa.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O Efeito do Afastamento no Tempo...

O afastamento no tempo engana o sentido do espírito como o afastamento no espaço provoca o erro dos sentidos. O contemporâneo não vê a necessidade do que vem a ser, mas, quando há séculos entre o vir a ser e o observador, então ele vê a necessidade, como aquele que vê à distância o quadrado como algo redondo.
Soren Kierkegaard, in 'Migalhas Filosóficas'

Olhando o Mar Sonho sem ter de quê...

Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?
Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.
As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, 'star em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta.
Se tive amores? Já não sei se os tive.
Quem ontem fui já hoje em mim não vive.
Bebe, que tudo é líquido e embriaga,
E a vida morre enquanto o ser revive.
Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser
Motivos coloridos de morrer?
Mas colhe rosas. Porque não colhê-las
Se te agrada e tudo é deixar de o haver?

Fernando Pessoa

sexta-feira, 3 de abril de 2009

História e Tempo são sempre Contingentes...

Querer predizer o futuro (profetizar) e querer ouvir a necessidade do passado são uma única e mesma coisa, e é apenas um problema de gosto se determinada geração acha uma coisa mais plausível que a outra. (...) O distanciamento no tempo engana o sentido do espírito tal como o afastamento no espaço provoca o erro dos sentidos. O contemporâneo não vê a necessidade do que vem a ser, mas, quando há séculos entre o vir a ser e o observador, este vê então a necessidade, tal como aquele que vê à distância o quadradrado como redondo. (...) Tudo o que é histórico é contingente, pois justamente pelo facto de acontecer, de se tornar histórico, recebe o seu momento de contingência, pois a contingência é precisamente o único factor de tudo o que vem a ser.
Soren Kierkegaard, in 'Migalhas Filosóficas'