
As teorias expostas nesta obra relativamente ao caráter podem, por vezes, parecer contraditórias. De um lado, com efeito, insistimos na fixidez dos sentimentos que formam o carácter e, de outro, mostramos as variações possíveis da personalidade. Essas oposições irão dissipar-se rememorando os pontos seguintes: 1º. Os carácteres formam-se a partir de um agregado de elementos afectivos fundamentais, mais ou menos invariáveis, aos quais se juntam elementos acessórios, facilmente mutáveis. Estes últimos correspondem às modificações que a arte do criador aplica a uma espécie, sem modificar por isso os seus carácteres essenciais; 2º. As espécies psicológicas acham-se, como as espécies anatómicas, sob a estreita dependência do meio. Devem adaptar-se a todas as mudanças desse meio e a ele, de facto, se adaptam, quando essas transformações não são consideráveis em extremo nem demasiadamente súbitas; 3º. Os mesmos sentimentos podem oferecer a aparência de uma mudança quando se aplicam a assuntos diferentes, sem que, entretanto, haja sofrido modificação na sua natureza real. Tornando-se amor divino em certas conversões, o amor humano é um sentimento que mudou de nome, mas não de natureza. Todas essas averiguações têm um interesse muito prático, porquanto se acham na própria base de muitos problemas modernos importantes, principalmente o da educação. Observando que a educação modifica a inteligência ou, pelo menos, a soma dos conhecimentos individuais, concluiu-se que ela podia modificar igualmente os sentimentos. Era esquecer por completo que os estados afectivos e intelectuais não apresentam uma evolução paralela. Quanto mais se aprofunda o assunto, tanto mais firmemente se reconhece que a educação e as instituições políticas desempenham um papel bastante fraco no destino dos indivíduos e dos povos. Essa doutrina, contrária, aliás, às nossas crenças democráticas, parece, por vezes, contrariada também pelos factos observados em certos povos modernos, e é isso que sempre a impedirá de ser facilmente admitida.