segunda-feira, 30 de maio de 2011
domingo, 29 de maio de 2011
Saber Avaliar a Novidade...
A ideia de que somente é belo o que é novo e jovem envenena as nossas relações com o passado e com o nosso próprio futuro. Impede-nos de compreender as nossas raízes e as maiores obras da nossa cultura e das outras culturas. Faz-nos também recear o que está à nossa frente e leva muita gente a fugir à realidade.
Walter Kaufmann, in 'O Tempo é um Artista'
sexta-feira, 27 de maio de 2011
Português Sentimental e com Horror à Disciplina...
Excessivamente sentimental, com horror à disciplina, individualista sem dar por isso, falho de espírito de continuidade e de tenacidade na acção. A própria facilidade de compreensão, diminuindo-lhe a necessidade de esforço, leva-o a estudar todos os assuntos pela rama, a confiar demasiado na espontaneidade e brilho da sua inteligência. Mas quando enquadrado, convenientemente dirigido, o português dá tudo quanto se quer... O nosso grande problema é o da formação das elites que eduquem e dirijam a Nação. A sua fraqueza ou deficiência é a mais grave crise nacional. Só as gerações em marcha, se devidamente aproveitadas, nos fornecerão os dirigentes - governantes, técnicos, professores, sacerdotes, chefes do trabalho, operários especializados - indispensáveis à nossa completa renovação. Considero até mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar toda a gente a ler. É que os grandes problemas nacioanis têm de ser resolvidos, não pelo povo, mas pelas elites enquadrando as massas.
António de Oliveira Salazar, in 'Homens e Multidões', de António Ferro
quinta-feira, 26 de maio de 2011
Têm-se Deveres Conforme o Alcance do Espírito...
Em quase todos os acontecimentos da vida, uma alma generosa vê a possibilidade duma acção de que uma alma comum não tem a mesma ideia. No próprio instante em que a possibilidade dessa acção se torna visível para a alma generosa, é de seu interesse levá-la a cabo. Se não executasse essa acção que acaba de lhe surgir no espírito, desprezar-se-ia a si própria; seria infeliz. Têm-se deveres conforme o alcance do espírito. (...) É contra a natureza do homem, é impossível para o homem não fazer sempre, e em qualquer momento que se queira examiná-lo, o que nesse momento é possível e lhe dá prazer.
Stendhal, in "Do Amor"
quarta-feira, 25 de maio de 2011
A Divinização do Utilitário...
O grande conflito de hoje, no domínio socioeconómico, por exemplo, e contra a previsão de um Marx, não é o que opõe o Capital e o Trabalho, mas o que comanda a máquina e o que a serve (François Perroux). Mas o efeito mais visível, porque mais extenso, da sua compacta presença, é o que degrada os sonhos ao tangível e utilitário que define a vituperada «sociedade de consumo». Não é assim o útil ou utilitário que se condena: é a sua divinização. O que surpreende no mundo de hoje não é a sedução da comodidade, mas que ela esgote todas as seduções; não é o sonho de «viver bem», mas que só se viva bem com esse sonho. Decerto o viver bem foi sempre um sonho de quem teve por sorte o viver mal. Mas a realização em massa dessa ambição instaura-se em plena força como modelo. E não apenas por ser uma realização em massa, mas porque aos «responsáveis» nenhum valor se impõe para a esse imporem. O utilitarismo é um valor negativo; mas converte-se em positivo pela negatividade de quem poderia recusá-lo. O que nos «irresponsáveis» é uma ambição em positivo, é nos «responsáveis» uma aceitação em negativo, porque nenhum valor positivo lhe contrapõem. Um automóvel é para uns um fim; mas se para outros deveria ser um meio, ele é um meio para coisa nenhuma e converte-se desse modo também num fim. O optimismo da conquista converge assim com o pessimismo da desistência para um vértice comum. Decerto não se ignora a contestação sofrida pela «sociedade de consumo». Mas a contestação só se realiza em eficácia, se o não é uma abertura para o sim. Denunciar um erro é necessário; mas quem tem uma verdade, mesmo errada, pode exigir-nos a verdade certa - e nós não a temos.
Mas o sonho utilitário não apaga o sonho como tal, o que no homem, porque humano, é ainda o sem-limite. Porque se não reinventa um homem totalmente, mesmo o homem circunscrito ao tangível do utilitário. Curiosamente assim o próprio sonho se degrada sem se anular como sonho. Curiosamente assim o homem é ainda o «ser de horizontes» (Heidegger), ainda quando esse horizonte for a montra de uma loja... O mais que nunca é bastante, o máximo que está para além de todos os máximos e é em si o máximo humano, converte-se agora não no que supere os limites do utilitário mas no que supere os limites de cada objecto útil. Assim o absurdo limite que num Sartre é o homem-deus é no societário de consumo o automóvel-perfeição, o aparelho-absoluto. Eis porque o reclame do super é uma constante de um reclame - desde o super-detergente ao super-Constelation. O super fala em linguagem degradada o que em linguagem humana fala da nossa ascensão. [Assim a própria crise do casamento - uma determinante do nosso tempo - pôde ser reportada à insatisfação no «consumo» (Eduardo Lourenço); assim uma mulher se pôde igualar, na sedução, ao frigorífico ou ao aspirador. .. Mas é possível, se não evidente, que a razão esteja mais longe - na radical exterioridade que a tecnologia promove em cuja superfície estéril um valor se não radica.]
Mas o sonho utilitário não apaga o sonho como tal, o que no homem, porque humano, é ainda o sem-limite. Porque se não reinventa um homem totalmente, mesmo o homem circunscrito ao tangível do utilitário. Curiosamente assim o próprio sonho se degrada sem se anular como sonho. Curiosamente assim o homem é ainda o «ser de horizontes» (Heidegger), ainda quando esse horizonte for a montra de uma loja... O mais que nunca é bastante, o máximo que está para além de todos os máximos e é em si o máximo humano, converte-se agora não no que supere os limites do utilitário mas no que supere os limites de cada objecto útil. Assim o absurdo limite que num Sartre é o homem-deus é no societário de consumo o automóvel-perfeição, o aparelho-absoluto. Eis porque o reclame do super é uma constante de um reclame - desde o super-detergente ao super-Constelation. O super fala em linguagem degradada o que em linguagem humana fala da nossa ascensão. [Assim a própria crise do casamento - uma determinante do nosso tempo - pôde ser reportada à insatisfação no «consumo» (Eduardo Lourenço); assim uma mulher se pôde igualar, na sedução, ao frigorífico ou ao aspirador. .. Mas é possível, se não evidente, que a razão esteja mais longe - na radical exterioridade que a tecnologia promove em cuja superfície estéril um valor se não radica.]
Vergílio Ferreira, in 'Invocação ao Meu Corpo'
terça-feira, 24 de maio de 2011
O Orgulho de Ser Português...
Aquelas qualidades que se revelaram e fixaram e fazem de nós o que somos e não outros; aquela doçura de sentimentos, aquela modéstia, aquele espírito de humanidade, tão raro hoje no mundo; aquela parte de espiritualidade que, mau grado tudo que a combate inspira ainda a vida portuguesa; o ânimo sofredor; a valentia sem alardes; a facilidade de adaptação e ao mesmo tempo a capacidade de imprimir no meio exterior os traços do modo de ser próprio; o apreço dos valores morais; a fé no direito, na justiça, na igualdade dos homens e dos povos; tudo isso, que não é material nem lucrativo, constitui traços do carácter nacional. Se por outro lado contemplamos a História maravilhosa deste pequeno povo, quase tão pobre hoje como antes de descobrir o mundo; as pegadas que deixou pela terra de novo conquistada ou descoberta; a beleza dos monumentos que ergueu; a língua e literatura que criou; a vastidão dos domínios onde continua, com exemplar fidelidade à sua História e carácter, alta missão civilizadora - concluiremos que Portugal vale bem o orgulho de se ser português.
António de Oliveira Salazar, in 'Discursos'
segunda-feira, 23 de maio de 2011
A Importância de uma Resolução Forte...
Uma resolução forte muda no mesmo instante a maior infelicidade num estado suportável. À tarde, depois de uma batalha perdida, um homem foge a toda a velocidade, num cavalo meio-morto; ouve distintamente o galope do grupo de cavaleiros, volta a carregar a carabina e as pistolas, e toma a resolução de se defender. No mesmo instante, em vez de ver a morte, vê a cruz da legião de Honra.
Stendhal, in "Do Amor"
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Decisão, Desejo e Acção...
A decisão é, na verdade, o que de mais próprio concerne a excelência e é melhor do que as próprias acções no que respeita à avaliação dos carácteres humanos. A decisão parece, pois, ser voluntária. Decidir e agir voluntariamente não é, contudo, a mesma coisa, pois, a acção voluntária é um fenómeno mais abrangente. É por essa razão que ainda que tanto as crianças como os outros seres vivos possam participar na acção voluntária, não podem, contudo, participar na decisão. Também dizemos que as acções voluntárias dão-se subitamente, mas não assim de acordo com uma decisão. Os que dizem que a decisão é um desejo, ou uma afecção, ou anseio, ou uma certa opinião, não parecem dizê-lo correctamente, porque os animais irracionais não tomam parte nela. Por outro lado, quem não tem autodomínio age cedendo ao desejo, e, desse modo, não age de acordo com uma decisão. Finalmente, quem tem autodomínio age, ao tomar uma decisão, mas não age, ao sentir um desejo. Um desejo pode opor-se a uma decisão, mas já não poderá opor-se a um outro desejo. O desejo tem em vista o que é agradável e o que é desagradável. A decisão, contudo, não é feita em vista do desagradável nem do agradável.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'
O Estado como Suporte para uma Vida Feliz...
Os homens não se associam tendo em vista apenas a existência material, mas, antes, a vida feliz, pois, se fosse de outra forma, uma colectividade de escravos ou de animais seria um Estado, quando, na realidade, isto é uma coisa impossível, porque esses seres não têm qualquer participação na felicidade, nem na vida fundamentada em uma vontade livre.
Aristóteles, in 'A Política'
terça-feira, 17 de maio de 2011
Moral Divina...
Não se deve escutar as pessoas que nos aconselham, sob o pretexto de que somos homens, de só pensar nas coisas humanas e, sob pretexto de que somos mortais, de renunciar às coisas imortais. Mas, na medida do possível, devemos tornar-nos imortais e tudo fazer para viver conforme à parte mais excelente de nós mesmos, pois o princípio divino, por mais fraco que seja pelas suas dimensões, prevalece, e muito, sobre qualquer outra coisa pelo seu poder e pelo seu valor.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'
segunda-feira, 16 de maio de 2011
As Uniões Necessárias...
A primeira união necessária é a de dois seres que são incapazes de existir um sem o outro: é o caso do macho e da fêmea tendo em vista a procriação (e essa união nada tem de arbitrária, mas como nas outras espécies animais e nas plantas, trata-se de uma tendência natural a deixar atrás de si um outro ser semelhante); é ainda a união daquele cuja natureza é comandar com aquele cuja natureza é ser comandado, tendo em vista a sua conservação comum.
Aristóteles, in 'A Política'
sábado, 14 de maio de 2011
Mais Vale Ser Surdo que Ensurdecido...
Antigamente as pessoas queriam criar-se uma reputação: isso já não basta, a feira tornou-se demasiado vasta; agora é necessário vender aos berros. A consequência é que mesmo as melhores gargantas forçam a voz e as melhores mercadorias não são oferecidas por orgãos enrouquecidos; já não há génio, nos nossos dias, sem clamor e sem rouquidão. Época vil para o pensador: devemos aprender a encontrar entre duas barulheiras o silêncio de que se tem necessidade e a fingir de surdo até chegar a sê-lo. Enquanto não se tiver chegado a isso, corre-se o risco de perecer de impaciência e de dores de cabeça.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
sexta-feira, 13 de maio de 2011
Os Melhores Momentos do Amor...
Nos transportes do amor, na conversa com a amada, nos favores que recebes dela, até nos mais extremos, vais mais em busca da felicidade do que à tentação de provar isso de que o teu coração agitado sente uma grande falta, um não-sei-quê de menos do que ele esperava, um desejo de algo, mesmo de muito mais. Os melhores momentos do amor são aqueles de uma tranquila e doce melancolia em que choras e não sabes porquê, e te resignas quase na quietude a um infortúnio que desconheces. Nessa quietude, a tua alma está quase cumulada, e quase sente o gosto da felicidade. Assim como no amor, que é o estado da alma mais rico de prazeres e ilusões, a melhor parte, a via mais correcta para o prazer e para uma sombra de felicidade é a dor.
(...) Quando um homem concebe o amor, o mundo inteiro se dissipa aos seus olhos, ele não vê nada além do ser amado, está no meio da multidão, das conversas, em plena solidão, abstraído, fazendo os gestos que lhe inspira esse pensamento sempre imóvel e muito poderoso, sem se preocupar com a surpresa nem com o desprezo alheios, ele se esquece de tudo e tudo lhe parece tedioso sem esse único pensamento, essa única visão. Nunca tive a experiência de um pensamento que solta a alma com tanto poder de todas as coisas que a circundam quanto o amor, e quero dizer que na ausência do ser amado, na presença de quem não se pode dizer o que acontece, com excepção, por vezes, do grande medo, que a rigor poderia ser-lhe comparado.
(...) Quando um homem concebe o amor, o mundo inteiro se dissipa aos seus olhos, ele não vê nada além do ser amado, está no meio da multidão, das conversas, em plena solidão, abstraído, fazendo os gestos que lhe inspira esse pensamento sempre imóvel e muito poderoso, sem se preocupar com a surpresa nem com o desprezo alheios, ele se esquece de tudo e tudo lhe parece tedioso sem esse único pensamento, essa única visão. Nunca tive a experiência de um pensamento que solta a alma com tanto poder de todas as coisas que a circundam quanto o amor, e quero dizer que na ausência do ser amado, na presença de quem não se pode dizer o que acontece, com excepção, por vezes, do grande medo, que a rigor poderia ser-lhe comparado.
Giacomo Leopardi, in 'Pensamentos Diversos'
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Sociedade do Desperdício...
Uma tentação imediata do nosso tempo é o desperdício. Não é só resultado duma invenção constante da oferta que leva ao apetite do consumo, como é, sobretudo, uma forma de aristocracia técnica. O tecnocrata, novo aristocrata da inteligência artificial, dos números e dos computadores, propõe uma sociedade de dissipação. Propõe-na na medida em que favorece os métodos de maior rendimento e a rapina dos recursos naturais. As hormonas que fazem crescer uma vitela em três meses, as árvores que dão fruto três vezes por ano, tudo obriga a natureza a render mais. Para quê? Para que os alimentos se amontoem nas lixeiras e os desperdícios de cozinha ou de vestuário sirvam afinal para descrever o bluff da produtividade.
Agustina Bessa-Luís, in 'Dicionário Imperfeito'
sábado, 7 de maio de 2011
O Amor é um Prémio sem Mérito...
O amor é, por definição, um prémio sem mérito. Se uma mulher me diz: eu amo-te porque tu és inteligente, porque és uma pessoa decente, porque me dás presentes, porque não andas atrás de outras mulheres, porque sabes cozinhar, então eu fico desapontado. É muito mehor ouvir: eu sou louca por ti embora nem sejas inteligente nem uma pessoa decente, embora sejas um mentiroso, um egoísta e um canalha.
Milan Kundera, in "A Lentidão"
sexta-feira, 6 de maio de 2011
O Sensacionismo...
Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias. - Mas o que é sentir? Ter opiniões é não sentir. Todas as nossas opiniões são dos outros. Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente. Só o que se pensa é que se pode comunicar aos outros. O que se sente não se pode comunicar. Só se pode comunicar o valor do que se sente. Só se pode fazer sentir o que se sente. Não que o leitor sinta a pena comum [?]. Basta que sinta da mesma maneira. O sentimento abre as portas da prisão com que o pensamento fecha a alma. A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras é proibido ser explícito.
Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que outra pessoa sente é ser ela. Ser outra pessoa é de uma grande utilidade metafísica. Deus é toda a gente. Ver, ouvir, cheirar, gostar, palpar - são os únicos mandamentos da lei de Deus. Os sentidos são divinos porque são a nossa relação com o Universo, e a nossa relação com o Universo Deus. (...) Agir é descrer. Pensar é errar. Só sentir é crença e verdade. Nada existe fora das nossas sensações. Por isso agir é trair o nosso pensamento. (...) Não há critério da verdade senão não concordar consigo próprio. O universo não concorda consigo próprio, porque passa. A vida não concorda consigo própria, porque morre. O paradoxo é a fórmula típica da Natureza. Por isso toda a verdade tem uma forma [?] paradoxal. (...) Afirmar é enganar-se na porta. Pensar é limitar. Raciovinar é excluir. Há muito que é bom pensar, porque há muito que é bom limitar e excluir. (...) Substitui-te sempre a ti próprio. Tu não és bastante para ti. Sê sempre imprevenido [?] por ti próprio. Acontece-te perante ti próprio. Que as tuas sensações sejam meros acasos, aventuras que te acontecem. Deves ser um universo sem leis para poderes ser superior. São estes os princípios essenciais do sensacionismo. (...) Faze de tua alma uma metafísica, uma ética e uma estética. Substitui-te a Deus indecorosamente. É a única atitude realmente religiosa (Deus está em toda a parte excepto em si próprio). Faze do teu ser uma religião ateísta; das tuas sensações um rito e um culto. (...)
Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que outra pessoa sente é ser ela. Ser outra pessoa é de uma grande utilidade metafísica. Deus é toda a gente. Ver, ouvir, cheirar, gostar, palpar - são os únicos mandamentos da lei de Deus. Os sentidos são divinos porque são a nossa relação com o Universo, e a nossa relação com o Universo Deus. (...) Agir é descrer. Pensar é errar. Só sentir é crença e verdade. Nada existe fora das nossas sensações. Por isso agir é trair o nosso pensamento. (...) Não há critério da verdade senão não concordar consigo próprio. O universo não concorda consigo próprio, porque passa. A vida não concorda consigo própria, porque morre. O paradoxo é a fórmula típica da Natureza. Por isso toda a verdade tem uma forma [?] paradoxal. (...) Afirmar é enganar-se na porta. Pensar é limitar. Raciovinar é excluir. Há muito que é bom pensar, porque há muito que é bom limitar e excluir. (...) Substitui-te sempre a ti próprio. Tu não és bastante para ti. Sê sempre imprevenido [?] por ti próprio. Acontece-te perante ti próprio. Que as tuas sensações sejam meros acasos, aventuras que te acontecem. Deves ser um universo sem leis para poderes ser superior. São estes os princípios essenciais do sensacionismo. (...) Faze de tua alma uma metafísica, uma ética e uma estética. Substitui-te a Deus indecorosamente. É a única atitude realmente religiosa (Deus está em toda a parte excepto em si próprio). Faze do teu ser uma religião ateísta; das tuas sensações um rito e um culto. (...)
Fernando Pessoa, in 'Sobre «Orpheu», Sensacionismo e Paùlismo'
quinta-feira, 5 de maio de 2011
A Revolução da Bondade...
Acho que a grande revolução, e o livro «Ensaio sobre a Cegueira» fala disso, seria a revolução da bondade. Se nós, de um dia para o outro, nos descobríssemos bons, os problemas do mundo estariam resolvidos. Claro que isso nem é uma utopia, é um disparate. Mas a consciência de que isso não acontecerá, não nos deve impedir, cada um consigo mesmo, de fazer tudo o que pode para reger-se por princípios éticos. Pelo menos a sua passagem pelo este mundo não terá sido inútil e, mesmo que não seja extremamente útil, não terá sido perniciosa. Quando nós olhamos para o estado em que o mundo se encontra, damo-nos conta de que há milhares e milhares de seres humanos que fizeram da sua vida uma sistemática acção perniciosa contra o resto da humanidade. Nem é preciso dar-lhes nomes.
José Saramago, in " Folha de S. Paulo, Outubro 1995"
segunda-feira, 2 de maio de 2011
Consumismo Cego...
A nossa vida é influenciada em grande medida pelos jornais. A publicidade é feita unicamente no interesse dos produtores e nunca dos consumidores. Por exemplo, convenceu-se o público de que o pão branco é superior ao pão escuro. A farinha, cada vez mais finamente peneirada, foi privada dos seus princípios mais úteis. Mas conserva-se melhor e o pão faz-se mais facilmente. Os moleiros e os padeiros ganham mais dinheiro. Os consumidores comem, sem o saber, um produto inferior. E em todos os países em que o pão é a parte principal da alimentação, as populações degeneram. Gastam-se enormes quantias na publicidade comercial. Assim, imensos produtos alimentares e farmacêuticos inúteis, e muitas vezes prejudiciais, tornaram-se uma necessidade para os homens civilizados. Deste modo, a avidez dos indivíduos suficientemente hábeis para orientar o gosto das massas populares para os produtos à venda desempenha um papel capital na nossa civilização.
Alexis Carrel, in 'O Homem esse Desconhecido' (1873-1944)
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