Friedrich Schelling, in 'Sobre o Dogmatismo e o Criticismo'
domingo, 17 de março de 2013
Liberdade Absoluta e Necessidade Absoluta são Idênticas...
sábado, 16 de março de 2013
A Dor como Padrão para a Intensidade dos Sentidos...
Normalmente, a ausência de dor é apenas a condição física necessária para que o indivíduo sinta o mundo; somente quando o corpo não está irritado, e devido à irritação voltado para dentro de si mesmo, podem os sentidos do corpo funcionar normalmente e receber o que lhes é oferecido. A ausência de dor geralmente só é «sentida» no breve intervalo entre a dor e a não-dor; mas a sensação que corresponde ao conceito de felicidade do sensualista é a libertação da dor, e não a sua ausência. A intensidade de tal sensação é indubitável; na verdade, só a sensação da própria dor pode igualá-la.
Arendt, in 'A Condição Humana'
sexta-feira, 15 de março de 2013
A Doença da Disciplina...
Das feições de alma que caracterizam o povo português, a mais irritante é, sem dúvida, o seu excesso de disciplina. Somos o povo disciplinado por excelência. Levamos a disciplina social àquele ponto de excesso em que cousa nenhuma, por boa que seja — e eu não creio que a disciplina seja boa — por força que há-de ser prejudicial.
Tão regrada, regular e organizada é a vida social portuguesa que mais parece que somos um exército de que uma nação de gente com existências individuais. Nunca o português tem uma acção sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, sente sempre em grupo, pensa sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo. E quando, por um milagre de desnacionalização temporária, pratica a traição à Pátria de ter um gesto, um pensamento, ou um sentimento independente, a sua audácia nunca é completa, porque não tira os olhos dos outros, nem a sua atenção da sua crítica.
Parecemo-nos muito com os alemães. Como eles, agimos sempre em grupo, e cada um do grupo porque os outros agem.
Por isso aqui, como na Alemanha, nunca é possível determinar responsabilidades; elas são sempre da sexta pessoa num caso onde só agiram cinco. Como os alemães, nós esperamos sempre pela voz de comando. Como eles, sofremos da doença da Autoridade — acatar criaturas que ninguém sabe porque são acatadas, citar nomes que nenhuma valorização objectiva autêntica como citáveis seguir chefes que nenhum gesto de competência nomeou para as responsabilidades da acção. Como os alemães, nós compensamos a nossa rígida disciplina fundamental por uma indisciplina superficial, de crianças que brincam à vida. Refilamos só de palavras. Dizemos mal só às escondidas. E somos invejosos, grosseiros e bárbaros, de nosso verdadeiro feitio, porque tais são as qualidades de toda a criatura que a disciplina moeu, em quem a individualidade se atrofiou.
Diferimos dos alemães, é certo, em certos pontos evidentes das realizações da vida. Mas a diferença é apenas aparente. Eles elevaram a disciplina social, temperamentalmente neles como em nós, a um sistema de estado e de governo; ao passo que nós, mais rigidamente disciplinados e coerentes, nunca infligimos a nossa rude disciplina social, especializando-a para um estado ou uma administração. Deixamo-la coerentemente entregue ao próprio vulto integral da sociedade. De aí a nossa decadência!
Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fizemos uma "revolução" foi para implantar uma coisa igual ao que já estava. Manchamos essa revolução com a brandura com que tratamos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse; não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficamos miserandamente os mesmos disciplinados que éramos. Foi um gesto infantil, de superfície e fingimento.
Portugal precisa dum indisciplinador. Todos os indisciplinadores que temos tido, ou que temos querido ter, nos têm falhado. Como não acontecer assim, se é da nossa raça que eles saem? As poucas figuras que de vez em quando têm surgido na nossa vida política com aproveitáveis qualidades de perturbadores fracassam logo, traem logo a sua missão. Qual é a primeira coisa que fazem? Organizam um partido.. . Caem na disciplina por uma fatalidade ancestral.
Trabalhemos ao menos — nós, os novos — por perturbar as almas, por desorientar os espíritos. Cultivemos, em nós próprios, a desintegração mental como uma flor de preço. Construamos uma anarquia portuguesa. Escrupulizemos no doentio e no dissolvente. E a nossa missão, a par de ser a mais civilizada e a mais moderna, será também a mais moral e a mais patriótica.
Fernando Pessoa, in 'Idéias Políticas'
quinta-feira, 14 de março de 2013
Crenças e Opiniões Vencem o Conhecimento...
Se a mentalidade dos fieis não tem evoluído muito desde a época remota em que, às margens do Nilo, Isis e Hathor atraíam aos seus templos milhares de fervorosos peregrinos, é porque, no decurso das idades, os sentimentos, verdadeiros alicerces da alma, mantêm a sua fixidez. A inteligência progride, mas os sentimentos não mudam.
A fé num dogma qualquer é, sem dúvida, de um modo geral, apenas uma ilusão. Cumpre, contudo, não a desdenhar. Graças à sua mágica pujança, o irreal torna-se mais forte do que o real. Uma crença aceite dá a um povo uma comunhão de pensamentos que originam a sua unidade e a sua força.
Sendo o domínio do conhecimento muito diverso do terreno da crença, opô-los um ao outro é tarefa inútil, embora diariamente tentada.
As leis que regem a psicologia da crença não se aplicam somente às grandes convicções fundamentais, que deixam uma marca indelével na trama da história. São também aplicáveis à maior parte das nossas opiniões quotidianas relativamente aos seres e às coisas que nos cercam.
A observação mostra que, na sua maioria, essas opiniões não têm por sustentáculos elementos racionais, porém elementos afetivos ou místicos, em geral de origem inconsciente. Se nós as vemos discutidas com tanto ardor, é precisamente porque elas pertencem ao domínio da crença e são formadas do mesmo modo. As opiniões representam geralmente pequenas crenças, mais ou menos transitórias.
Seria, pois, um erro supor que se sai do terreno da crença, quando se renuncia às convicções ancestrais. Teremos ensejo de mostrar que, as mais das vezes, ainda mais se aprofundou nesse domínio.
Sendo as questões suscitadas pela gênese das opiniões da mesma natureza que as relativas à crença, devem ser estudadas de modo análogo. Muitas vezes distintas nos seus esforços, crenças e opiniões pertencem, no entanto, à mesma família, ao passo que o conhecimento faz parte de um mundo inteiramente diverso.
Gustave Le Bon, in "As Opiniões e as Crenças" Tema(s): Conhecimento Crença Opinião
quarta-feira, 13 de março de 2013
No Amor, Mil Almas, Mil Maneiras Diferentes...

Ovídio, in "A Arte de Amar"
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Prazer e Dor São as Únicas Certezas da Vida...
Os filósofos têm tentado abalar todas as nossas certezas e mostrar que do mundo conhecemos apenas aparências. Possuiremos sempre, porém, duas grandes certezas, que nada poderia destruir: o prazer e a dor. Toda a nossa actividade deriva delas. As recompensas sociais, os paraísos e os infernos criados pelos códigos religiosos ou civis baseiam-se na acção dessas certezas, cuja evidente realidade não pode ser contestada.

Porquê? Porque o presente ignora o futuro e no presente a Natureza condena-nos a procurar o prazer e a evitar a dor.
O operário, curvado sob o peso do trabalho, a irmã de caridade, a quem não repugna nenhuma chaga, o missionário torturado pelos selvagens, o sábio que procura a solução de um problema, o obscuro micróbio que se agita no fundo de uma gota d'água, todos obedecem aos mesmos estimulantes de atividade: o atractivo do prazer, o receio da dor.
Nenhuma atividade tem outro móbil. Não poderíamos mesmo imaginar móbis diferentes desses. Só os nomes podem variar. Prazeres estéticos, guerreiros, religiosos, sexuais, etc., são formas diversas do mesmo aspecto fisiológico A actividade dos seres se dissiparia se desaparecessem as duas certezas que são os seus grandes móbis: o prazer e a dor.
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
Um canhão pelo cú
Se percebemos bem - e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.
Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.
Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.
Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.
A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.
Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.
E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.
Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.
A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.
A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.
Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.
Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.
Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.
Juan José Millas
domingo, 12 de agosto de 2012
As Desvantagens das Nossas Paixões...
Quanto mais um homem se emaranha numa paixão, tanto mais os acontecimentos, em si indiferentes, se traduzem para ele em dor, enganando justamente, pela sua indiferença, a avidez tensa em que esse homem se encontra. Um ambicioso sofrerá porque uma pessoa célebre não lhe reconheceu importância; essa mesma pessoa célebre tentará insuflar escrúpulos de tentação a algum evangélico de quem procurará a conversação; escrúpulos que, por sua vez, irritarão um individualista, que será atingido por eles, malgrado seu. A inveja, ambição ruminada, está na base de todas as angústias que sofremos. Não toleramos que uma coisa aconteça indiferentemente, por acaso, escapando à nossa chancela.
Qualquer género de fervor acarreta consigo a tendência para sentir uma lei preestabelecida na vida, uma lei que castiga os que abusam ou descuram esse mesmo fervor. Um estado de paixão - mesmo que fosse a embriaguez da absoluta autodeterminação - organiza e anima de tal forma o Universo que toda a desgraça, parece, depois, provocada por uma ruptura do equilíbrio vital dessa paixão difusa, que, assim, se defende como um corpo vivo. E, segundo o temperamento de cada um, teremos a sensação de que abusámos, ou de que fomos inferiores; de qualquer forma, sentir-nos-emos organicamente punidos pela própria lei da paixão e do Universo.
O que quer dizer que todo o fervor acarreta consigo a convicção supersticiosa de ter de prestar contas à própria lógica das coisas. Mesmo o fervor de um ateu pela transcendência de uma lei.
Cesare Pavese, in "O Ofício de Viver"
sábado, 11 de agosto de 2012
A Falácia do Homem Livre...
Cá entre nós, a servidão, de preferência sorridente, é pois inevitável. Mas não o devemos reconhecer. Quem não pode fugir a ter escravos, não valerá mais que os chame homens livres? Por princípio, em primeiro lugar, e depois para os não desesperar. É-lhes bem devida esta compensação, não acha? Deste modo eles continuarão a sorrir e nós manter-nos-emos de consciência tranquila. Sem o que, seríamos forçados a voltar-nos para nós mesmos, ficaríamos loucos de dor, ou até modestos, tudo é de temer.
Albert Camus, in "A Queda
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Grandes Momentos Irreversíveis...
Os instantes de grande dor ou de grande agitação, mesmo na história universal, têm uma necessidade que convence; desencadeiam um sentido da actualidade e um sentimento de tensão que nos oprimem. Essa agitação pode provocar seguidamente a vinda da beleza e da luz, assim como da loucura e das trevas; o que se produz reveste, em todo o caso, as aparências da grandeza, da necessidade, da importância; distingue-se e destaca-se dos acontecimentos quotidianos.
Hermann Hesse, in 'O Jogo das Contas de Vidro'
domingo, 5 de agosto de 2012
A Preguiça como Obstáculo à Liberdade...
A preguiça e a cobardia são as causas por que os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio, continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida; e também por que a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores. É tão cómodo ser menor.
Emmanuel Kant, in ' Resposta à Pergunta: O Que é o Iluminismo?'
domingo, 8 de julho de 2012
A Torpe Sociedade onde Nasci...
Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.
Que feliz eu era então e que alegria...
Que loucura a brincar, santo delírio!...
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p'ra o martírio!
Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz...
E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!
Tuberculoso!... Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte...
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.
Que feliz eu era então e que alegria...
Que loucura a brincar, santo delírio!...
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p'ra o martírio!
Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz...
E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!
Tuberculoso!... Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte...
António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."
sábado, 7 de julho de 2012
O Comportamento Simbólico e o Comportamento Inequívoco...

Aquilo a que se chama a humanidade superior mais não é, com certeza, do que a tentativa de fundir estas duas metades da vida, a do símbolo e a da verdade, cuidadosamente separadas antes. Mas quando separamos num símbolo tudo aquilo que talvez possa ser verdadeiro do que é apenas espuma, o que acontece geralmente é que se ganha um pouco de verdade, mas se destrói todo o valor que o símbolo tinha. Por isso, talvez esta separação tenha sido inevitável na evolução do espírito, mas produziu o efeito que se obtém quando se ferve uma substância para a engrossar e, ao fazê-lo, provocamos a evaporação do que nela existe de mais intrínseco. Hoje é quase impossível não ter a impressão de que os conceitos e as regras da vida moral são apenas símbolos recozidos, envoltos nos insuportáveis e gordurosos vapores da cozinha da humanidade.
Robert Musil, in 'O Homem sem Qualidades'
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Feliz Dia para Quem É...

Feliz dia para quem é
O igual do dia,
E no exterior azul que vê
Simples confia!
Azul do céu faz pena a quem
Não pode ser
Na alma um azul do céu também
Com que viver
Ah, e se o verde com que estão
Os montes quedos
Pudesse haver no coração
E em seus segredos!
Mas vejo quem devia estar
Igual do dia
Insciente e sem querer passar.
Ah, a ironia
De só sentir a terra e o céu
Tão belo ser
Quem de si sente que perdeu
A alma p’ra os ter!
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
sábado, 7 de janeiro de 2012
Só Chegamos a Ser uma Parte Mínima do que Poderíamos Ser...

A actividade de comprar conclui em decidir-se por um objecto; mas é também antes uma eleição, e a eleição começa por perceber as possibilidades que oferece o mercado. De onde resulta que a vida, no seu modo «comprar», consiste primeiramente em viver as possibilidades de compra como tais. Quando se fala de nossa vida sói esquecer-se disto, que me parece essencialíssimo: a nossa vida é em todo o instante e antes que nada consciência do que nos é possível. Se em cada momento não tivéssemos à nossa frente mais que uma só possibilidade, careceria de sentido chamá-la assim. Seria apenas pura necessidade. Mas ai está: esse estranhíssimo facto da nossa vida possui a condição radical de que sempre encontra ante si várias saídas, que por serem várias adquirem o carácter de possibilidades entre as quais havemos de decidir. Tanto vale dizer que vivemos como dizer que nos encontramos num ambiente de determinadas possibilidades. A este âmbito costuma chamar-se «as circunstâncias». Toda a vida é achar-se dentro da «circunstância» ou mundo. Porque este é o sentido originário da idéia (mundo). Mundo é o repertório das nossas possibilidades vitais. Não é, pois, algo à parte e alheio à nossa vida, mas que é a sua autêntica periferia. Representa o que podemos ser; portanto, a nossa potencialidade vital. Esta tem de se concretizar para se realizar, ou, dito de outra maneira, chegamos a ser só uma parte mínima do que poderíamos ser. Daí que nos parece o mundo uma coisa tão enorme, e nós, dentro dele, uma coisa tão pequena. O mundo ou a nossa vida possível é sempre mais que o nosso destino ou vida efectiva.
Ortega y Gasset, in 'A Rebelião das Massas'
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Corremos Dentro dos Corpos...

Como o sangue, corremos dentro dos corpos no momento em que abismos os puxam e devoram. Atravessamos cada ramo das árvores interiores que crescem do peito e se estendem pelos braços, pelas pernas, pelos olhares. As raízes agarram-se ao coração e nós cobrimos cada dedo fino dessas raízes que se fecham e apertam e esmagam essa pedra de fogo. Como sangue, somos lágrimas. Como sangue, existimos dentro dos gestos. As palavras são, tantas vezes, feitas daquilo que significamos. E somos o vento, os caminhos do vento sobre os rostos. O vento dentro da escuridão como o único objecto que pode ser tocado. Debaixo da pele, envolvemos as memórias, as ideias, a esperança e o desencanto.
José Luís Peixoto, in 'Antídoto'
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
Egoísmo Relativo...

Fernando Pessoa, in 'Notas Autobiográficas e de Autognose'
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
O Homem - Um Ser Egoísta...

Arthur Schopenhauer, in "A Arte de Insultar"
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
Saber Estar...

Epicteto, in 'O Festival Da Vida'
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
Viver Plenamente os Desejos...

Henry Miller, in "O Mundo do Sexo"
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