
Uma tal felicidade, é certo, só poderá ser perfeita no momento em que as almas, dotadas de imortalidade, retomem os antigos corpos. Mas, como a vida dos piedosos não é mais do que a meditação sobre a eternidade e como que a sombra dela, conseguem saborear e antegozar o perfume de tal vida. Isto não é mais do que uma gotinha em comparação com a fonte infindável da felicidade. Porém, é prefeírvel a todos os prazeres da Terra, mesmo que se fundissem num só, de tal modo o espírito supera a matéria e o invisível o visível! Esta é a promessa do Profeta: «Os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração não sentiu as delícias que Deus prepara para os que o amam.» Tal é esta loucura que não acaba, mas que se aperfeiçoa com a passagem para a outra vida. Aqueles que tiveram o privilégio tão raro de tais sentimentos, experimentam uma espécie de demência: falam sem coerência, pronunciam palavras sem sentido e a cada instante mudam a expressão do rosto. Ora tristes, ora alegres, riem, choram, suspiram. Em resumo, estão fora de si. Quando voltam a si, não sabem dizer onde estiveram, se estavam ou não no seu corpo, despertos ou adormecidos, que ouviram, disseram ou fizeram. Só se recordam como que através de um sonho ou de uma nuvem. Sabem somente que foram felizes durante tal loucura. Lamentam ter regressado à razão e sonham poder viver eternamente nesta loucura. E apenas saboreiam um ligeiro gosto da felicidade futura!
Erasmo de Roterdão, in "Elogio da Loucura" (fala a Loucura)
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