Aqueles que disseram ser o prazer o sumo bem, viram bem a posição vergonhosa em que o colocaram. Negam eles também que a virtude possa ser separada do prazer e dizem que ninguém pode viver honestamente sem viver agradavelmente, tal como ninguém pode viver agradavelmente sem viver honestamente. Não vejo como elementos tão diversos podem ser postos lado a lado. Porque não se poderá, pergunto-vos, separar a virtude do prazer? Visto que o princípio de todo o bem é a virtude, será ela também a raiz de tudo o que vós amais e desejais? Todavia, se a virtude e o prazer não fossem coisas distintas, não se compreenderia por que razão há umas coisas que são agradáveis, mas desonestas, e outras que são honestíssimas, mas penosas e causadoras de sofrimento. Acrescenta ainda que, enquanto o prazer se coaduna com uma vida vergonhosa, a virtude não admite uma má vida, e quantos há que são infelizes não por não terem prazer, mas precisamente por causa do prazer, o que não aconteceria se conjugassem o prazer com a virtude, a qual existe muitas vezes sem ele, sem nunca precisar dele para existir.
Porquê confundir coisas tão diversas ou mesmo opostas? A virtude é algo elevado, excelso e nobre, invicto e infatigável; o prazer é baixo, servil, fraco e caduco, o seu lugar são os prostíbulos e as tabernas. A virtude, encontrá-la-ás no templo, no fórum, na cúria, resistindo como um muro, poeirenta, de pele tisnada e mãos calosas; o prazer geralmente esconde-se e procura as trevas, circulando pelos banhos, pelas termas e pelos locais que receiam a polícia: mole, fraco, ensopado em vinho e em perfumes, pálido ou todo pintado, entufado de unguentos como um cadáver. O sumo bem é imortal, desconhece a morte e não tem saciedade nem arrependimento: com efeito, a mente recta nunca muda, nunca tem ódio por si própria, nem se desvia da vida melhor; o prazer, por outro lado, quando alcança o seu ponto mais alto, extingue-se; o seu terreno é limitado e, por isso, rapidamente o esgota; entedia-se e desfalece após o primeiro ímpeto. Não pode haver certeza naquilo que, por natureza, está em movimento: por isso, nada pode haver de substancial naquilo que rapidamente vem e vai, perecendo com o seu próprio usufruto; de facto, o prazer conduz ao ponto em que acaba e tem o seu fim à vista logo a partir do seu começo.
Séneca, in 'Da Vida Feliz'
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