
O que alguém é, de qualquer maneira, é antes de mais nada e acima de tudo para si mesmo; e se sob esse aspecto não é de muito valor, então não o é também em geral. Pelo contrário, a imagem do nosso ser na cabeça dos outros é algo secundário, derivado e submetido ao acaso, e só se relaciona muito indirectamente com o próprio ser. Além do mais, as cabeças dos outros são um cenário deveras miserável para que nele a verdadeira felicidade possa ter sede. Antes, nelas só se pode encontrar uma felicidade quimérica. Que sociedade heterogénea se reúne nesse templo da glória universal! Generais, ministros, charlatães, saltimbancos, dançarinos, cantores, milionários e judeus. Sim, nesse templo, os méritos de todas essas pessoas são bem mais sinceramente apreciados, encontram bem mais estime sentie (estima sincera) do que os méritos espirituais, sobretudo os de tipo superior, que obtêm da maioria apenas uma estime sur parole (estima de ouvir dizer). Em sentido eudemonológico, portanto, a glória nada mais é senão o pedaço mais raro e saboroso para o nosso orgulho e a nossa vaidade. Estes, todavia, existem em excesso na maioria dos homens, embora eles os dissimulem; talvez até de modo mais forte naqueles que, de alguma maneira, estão aptos a adquirir glória e, portanto, têm muitas vezes de suportar em si mesmos, por muito tempo, a consciência incerta do seu valor proeminente, antes que chegue a oportunidade de o comprovar e então experimentar o reconhecimento. Até lá, têm o sentimento de sofrer uma injustiça secreta.
Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'
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