As disputas deviam ser regulamentadas e punidas como outros crimes verbais. Que defeitos não suscitam e acumulam em nós, reguladas e governadas como são pela cólera! Começamos por ser inimigos das razões e acabamos por o ser dos homens. Só aprendemos a discutir para contraditar, e, à força de se contraditar e ser-se contraditado, vem a acontecer que o fruto do discutir é perder e aniquilar-se a verdade. Assim, Platão, na República, proíbe o seu exercício aos espíritos ineptos e mal formados. Porque nos havemos de pôr a caminho, para descobrir a verdade, com quem não tem passo nem andamento que sirvam? Não se prejudica o assunto quando o deixamos para procurar o meio de o tratarmos; não falo dos meios escolásticos e artificiais, falo dos meios naturais, dum entendimento são. Que sucederá por fim? Cada um puxa para o seu lado; perdem de vista o essencial, põem-no de parte na confusão do acessório.
No fim de uma hora de tormenta já não sabem o que procuram; um está em cima, outro em baixo, outro para o lado. Uns demoram-se com as palavras e com as comparações; outros não entendem o que se lhes objecta, tanto se entusiasmam: só pensam neles, não em nós. Há quem, achando-se fraco de rins, tudo receie, tudo recuse e, logo de entrada, baralhe e confunda o que se disse, e, no auge da discussão, se lembre de se submeter, afectando, por ignorância despeitada, um desprezo orgulhoso ou, com ar de imbecil modéstia, a sua renúncia à luta. Contanto que fira não se importa de se descobrir. O outro conta as palavras e pesa-as na razão. Este faz valer a voz e os pulmões. Põe-se a concluir contra si próprio. Há outros que nos ensurdecem com prefácios e digressões inúteis. Outros armam-se de puras injúrias e levantam questões sem fundamento para se libertarem da companhia e da conversa dum espírito que põe o deles em aberto. Outros ainda não raciocinam sobre coisa nenhuma, mas rodeiam-nos com uma sebe dialética de claúsulas e fórmulas da arte.
No fim de uma hora de tormenta já não sabem o que procuram; um está em cima, outro em baixo, outro para o lado. Uns demoram-se com as palavras e com as comparações; outros não entendem o que se lhes objecta, tanto se entusiasmam: só pensam neles, não em nós. Há quem, achando-se fraco de rins, tudo receie, tudo recuse e, logo de entrada, baralhe e confunda o que se disse, e, no auge da discussão, se lembre de se submeter, afectando, por ignorância despeitada, um desprezo orgulhoso ou, com ar de imbecil modéstia, a sua renúncia à luta. Contanto que fira não se importa de se descobrir. O outro conta as palavras e pesa-as na razão. Este faz valer a voz e os pulmões. Põe-se a concluir contra si próprio. Há outros que nos ensurdecem com prefácios e digressões inúteis. Outros armam-se de puras injúrias e levantam questões sem fundamento para se libertarem da companhia e da conversa dum espírito que põe o deles em aberto. Outros ainda não raciocinam sobre coisa nenhuma, mas rodeiam-nos com uma sebe dialética de claúsulas e fórmulas da arte.
Michel de Montaigne, in 'Da Arte de Discutir'
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