- Deus não é bom? - Não, para falar com propriedade, Deus não é bom: é. Bom, mau, são pobres palavras que se aplicam a um conjunto de regras respeitantes a alguns pormenores da nossa vida material. Porque é que Deus seria limitado pelas nossas pobres palavras e valores? Não, Deus não é bom. É mais do que isso. É a forma mais rica, mais completa, mais poderosa do ser, de qualquer maneira. Torna concreta a abstracção mesmo da forma do ser. E penso que o «envisagement» do ser não podia ser possível se Deus não lhe tivesse dado anteriormente o seu estado. Deus é a criação. É pois um princípio inextinguível, não orientado, a própria vida. Lembrem-se das palavras: «Eu sou Aquele que sou». Nenhuma outra palavra humana compreendeu e relatou melhor a forma divina. Intemporal, não, nem sequer intemporal e infinita. O princípio. O facto de que há qualquer coisa no lugar onde não havia nada. - Mas então, Deus não tem necessidade... - E até mesmo para lá de toda a expressão. Se quiser, eu sou Deus. Não há dúvida a sustentar, pergunta a fazer. Você existe. Portanto é Deus. Você não pode existir de outro modo. Se você não fosse Deus, não existiria. - Um panteísmo, de certa maneira? - Não, porque não se trata de louvar Deus em todas as coisas. Deus é exterior, e se eu lhe dizia que você é Deus, que eu sou Deus, não era para lhe dar a ideia que, segundo eu, Deus é uma espécie de corpo no interior do qual nós vivemos. Não, eu queria apenas insinuar uma espécie de analogia entre as duas palavras da frase, agir no ser determinando-o, por Deus. Sendo o Ser de certa maneira uma dimensão própria, tão relativa mas tão real como o tempo e o espaço. E Deus sendo o absoluto desta dimensão, como o infinito é o absoluto do espaço, e o eterno o absoluto do tempo. De facto, o absoluto do Ser é também o absoluto do espaço e o absoluto do tempo. Eis porque Deus é neste ponto inimaginável para os pobres espíritos dos homens.
J.-M. G. Le Clézio, in 'A Febre'
Sem comentários:
Enviar um comentário